Catarina Martins e Cotrim de Figueiredo concordam com gravidade do uso "indiscriminado" de escutas na Justiça

Com as mais de 300 mil escutas que foram feitas nos últimos anos, informação divulgada esta quinta-feira, Catarina Martins e João Cotrim de Figueiredo concordaram, no debate na TVI, que o Ministério Público e a Procuradoria-Geral da República tem explicações a dar e que a Justiça tem de provar ser capaz de se regular a si própria. Já no que toca a investimentos na Defesa, a candidata bloquista acha desadequado que não se invista noutras "áreas fundamentais" e o adversário liberal vê a NATO como única "garantia de Defesa".

Inês Moreira Santos, Andreia Martins - RTP /
Foto: Rui Valido - TVI

O sorteio indicava que a primeira pergunta do debate desta quinta-feira, transmitido na TVI, era para João Cotrim de Figueiredo. E antes de responder ao tema das escutas da Operação Influencer, o candidato liberal começou por dizer que ia “tentar mostrar hoje” que é “a melhor escolha para ir à segunda volta e que o volto útil é, na realidade, inútil”.

Depois do ponto prévio, e voltando à questão sobre o funcionamento da Justiça, Cotrim de Figueiredo considerou que se “o bastonário da Ordem dos Advogados o diz” não é ele que o vai desmentir, até porque considera “preocupante” esse número agora divulgado de 300 mil escutas.

Na ótica do ex-líder da Iniciativa Liberal, este facto pode indiciar o “recurso indiscriminado a escutas, que é um dos meios mais invasivos de extorsão de prova” ou “uma falta de recursos de obtenção de provas de outra forma”.

“Seja como for, o problema para mim parece-me mais vasto”, disse Cotrim de Figueiredo, recordando que, “ainda esta semana”, houve “discussões bastante acesas sobre as fugas de informação que emanam do Ministério Público”.

Segundo o candidato, o MP não assumiu responsabilidades e apontou as culpas às “equipas de defesa”.

“Gostava que a Procuradoria [Geral da República] fosse tão rápida a esclarecer outros temas que tem a ver com prescrições, com investigações mal feitas, com ausência de conclusões ainda da averiguação preventiva (…)”, argumentou. “Mais do que o uso das escutas, que é preocupante, a mim preocupa-me que haja confusão entre autonomia e falta de independência e falta de escrutínio no Ministério Público”.

Com isto Cotrim de Figueiredo lamenta que, mais do que uma vez, a Procuradoria e o Ministério Público “não esclareçam o que está em causa e porque é que se determinaram coisas de determinada forma”.
PGR "deve explicações"
Catarina Martins, por seu lado, não tem dúvidas sobre este caso das escutas que envolvem também António Costa: “o procurador-geral da República deve explicações ao país”.

“Este caso é um caso muito grava; não é o único. Ou seja, acho que causa um natural alarme por estar em causa um ex-primeiro-ministro e por estar em causa um processo que, de alguma forma, determinou a queda de um Governo”, alegou a candidata bloquista, que sublinhou que “temos tido sucessivos casos gravíssimos na Justiça portuguesa”.

Catarina Martins compreende que o bastonário “fale do medo” por “saber que as escutas são tão generalizadas, saber que pode haver processos que arrastam na lama durante anos sem uma conclusão e que, ao mesmo tempo, tem o efeito muito perverso de deixar casos que deviam ser julgados arrastar anos até prescrever”. Situações que, segundo a ex-líder do Bloco de Esquerda, criam “um elemento não só de pouca credibilidade da Justiça, (…) e permite uma descredibilização das instituições como um todo e da democracia como um todo”.

“Isto é muito grave”
, declarou, em concordância com o adversário no frente-a-frente.

Para Catarina Martins, há vários “sinais preocupantes, de vários procuradores-gerais da República” e não apenas de Amadeu Guerra. Contudo, admite ter achado “muito inadequado que este procurador tenha dito, a propósito da averiguação preventiva ao primeiro-ministro, que podia haver uma prenda de natal”.

“Acho que um procurador-geral da República não utiliza estas expressões”, esclareceu, acrescentando que “tem de haver mecanismos” de escrutínios próprios e independentes na Justiça, para evitar “tentações” de ter a política a intervir na justiça e vice-versa. “Processar jornalistas não e a melhor forma de o fazer”.

Também Cotrim de Figueiredo considera que o procurador-geral da República se deve pronunciar publicamente, “não só neste caso, em muitos outros”.


“A Justiça tem de dar prova de que consegue regular-se a si própria, sem interesses corporativos”, salientou, reforçando a ideia que a adversária tinha exposto. “Começam a se avolumar casos e situações onde a proteção corporativa de quem participa em processos, por parte do Ministério Público, começa a ser intolerável”.

Com risco que os cidadãos achem que a Justiça está em crise, um dos pilares da democracia, “impõe-se comunicação mais célere e mais clara”.
Divergências na Defesa

O ministro da Defesa anunciou, esta semana, um investimento de 5,8 mil milhões de euros que envolve a instalação de uma fábrica de blindados, a compra de fragatas, entre outras. Sendo o chefe de Estado o comandante das Forças Armadas, Catarina Martins não considera que seja “adequado ao esforço que o país tem de fazer de investimento em várias áreas”.

“Acho que Portugal, como o resto da Europa, deve repensar a sua defesa, deve repensar a sua capacidade de cooperação e deve repensar áreas em que está muito atrás e que são fundamentais, até do ponto de vista tecnológico”, considerou a candidata. “Acho que é absolutamente desproporcionado, desequilibrado, sobretudo sem estratégia, gastar este investimento para fazer vontades que não correspondem à avaliação das necessidades reais do nosso país”.

Neste ponto, os candidatos divergem. João Cotrim de Figueiredo começou por intervir dizendo que a adversária estava a tentar “disfarçar o incómodo que toda esta questão lhe causa”.

“Por si, Portugal estaria fora da NATO”, acusou o candidato liberal, que considera que os valores do investimento são “avultados” mas são “uma gota de água” comprando com o que vão ser os investimentos europeus”.

Para Cotrim de Figueiredo, Portugal deve estar integrado e a “NATO é de facto a nossa garantia de defesa única”. E conduzindo o mesmo tema, o candidato considerou que o presidente russo só ameaçou, esta semana, a Europa só aconteceu porque “pode sentir fraqueza ou falta de coesão, não só entre os membros da União Europeia, também dos membros europeus da NATO”.

E nesse sentido, não tem “dúvida nenhuma de que este investimento é necessário”.

Em resposta, Catarina Martins afirmou que a sua “firme convicção é que Putin intui fraqueza, mas a fraqueza está porque tem Donald Trump do seu lado”.

“Putin sabe que Donald Trump tem sido, na verdade, útil na sua estratégia imperialista de ocupação de território ucraniano”, continuou a candidata. “Se nós não compreendemos o que mudou do ponto de vista de segurança no nosso mundo, não compreendemos nada”.

“Se nós não compreendemos que a nossa fragilidade tem a ver precisamente com a nossa capacidade de investimento onde a Europa deixou se ficar para trás, e que a nossa fragilidade é também a nossa enorme dependência dos Estados Unidos; e que é um perigo fazer investimentos completamente independentes do que decida Donald Trump, então nós não estamos a perceber o mundo em que estamos a viver hoje”.

João Cotrim de Figueiredo respondeu que o problema da NATO não é Trump, mas antes a falta de coesão na Europa. “Exatamente porque a aliança transatlântica já foi mais forte do que é hoje, é essencial que o pilar europeu da NATO tenha autonomia” para “defender os seus interesses específicos” e “não depender dos humores deste ou daquele”, defendeu o candidato apoiado pela Iniciativa Liberal. 

No entanto, a Aliança Atlântica “continua a ter uma função absolutamente crucial e o seu principal acervo militar continuam a ser os Estados Unidos”

Mesmo com a atual fase “menos fluída” da relação transatlântica, Cotrim de Figueiredo lembrou que Putin “só percebe a linguagem da força e anda permanentemente a tentar testar a velocidade e a coesão da resposta europeia”. 

Catarina Martins ripostou, considerando que o adversário quer “transformar a NATO numa coisa que não é a NATO”, argumentando que a ideia de ter um general norte-americano a mandar nas tropas europeias “está no coração de toda a arquitetura” da NATO. 
Ucrânia "empurrada" pelos aliados?
Sobre a Ucrânia, a candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda assinalou que, pouco depois da invasão da Rússia, Zelensky “punha em cima da mesa um acordo para a paz na Ucrânia que passava por exigir a integridade territorial da Ucrânia mas aceitar a neutralidade face à NATO”.

No entanto, Kiev foi “empurrada” pelo Reino Unido e outros aliados, que insistiram na solução da NATO e de um alinhamento claro. Quatro anos depois, o presidente norte-americano pede que “aceitem perder todo o território que entretanto a Rússia conquistou” mantendo a mesma neutralidade. 

“Esta estratégia que Donald Trump de querer ficar com o domínio económico de terras raras da Ucrânia ao mesmo tempo que ajuda o seu amigo Putin na sua estratégia imperialista, é desastrosa para a União Europeia”, afirmou Catarina Martins. 

Cotrim de Figueiredo acusou o Bloco de Esquerda de ter chamado “nazi” a Zelensky dias antes da invasão russa. Catarina Martins afirmou: “eu nunca disse tal coisa”. 

Os dois eurodeputados fizeram questão de destacar o seu apoio a Kiev, recordando que ambos estiveram em Kiev em diferentes momentos. 

João Cotrim de Figueiredo recusou, por seu lado, a ideia de que foram outros países europeus a “empurrar a Ucrânia para uma guerra que não queria”. 

“Nunca vi povo com tanta vontade de defender a sua soberania e o seu território”, apontou. 

Catarina Martins clarificou que os ucranianos foram “empurrados contra a ideia da neutralidade”. 

“Zelensky estava aberto a uma solução que tinha evitado muito mais sangue” e o atual negócio oferecido atualmente à Ucrânia “é muito pior”, resumiu. 

Em resposta, Cotrim de Figueiredo afirmou que os ucranianos veem outros países vizinhos, que pertencem à NATO, a não serem atacados. 

“Têm pena de não ter aderido à NATO há muito mais tempo. Se tivessem de certeza que não estavam nesta situação”, rematou. 

Lamentou ainda que “haja falta de coesão, falta de vontade política e coragem para continuar a apoiar os ucranianos”, nomeadamente no que diz respeito à utilização dos ativos russos congelados. 
“Três ADSE’s” e PR no SNS
Questionados sobre o peso do Estado em várias áreas de relevo, João Cotrim de Figueiredo admite que o Estado deve estar em todas as funções de soberania “em que a sua função reguladora é essencial”, dando o exemplo das plataformas eletrónicas. 

No entanto, considerou que o Estado “ainda está em tanta coisa que não devia estar”. Dá o exemplo da Saúde, considerando que a Constituição não atribui ao Estado a função de prestador. Recorda as Parcerias-Público-Privadas (PPP) em vários hospitais, com soluções “mais baratas para o erário público” e “reconhecidamente mais apreciadas pelos utentes”.

Outros sistemas importantes de políticas públicas, como a Educação e a Segurança Social, não têm de ser asseguradas pelo Estado, mas sim por “quem consegue prestar os serviços em melhores condições”. Na visão de Cotrim de Figueiredo, é “indiferente” se é público ou privado. 

Catarina Martins frisou que não pretende debater “projetos de Governo”, mas antes “visões” enquanto chefes de Estado, mas assinalou que em Portugal “não está vedada a livre iniciativa na saúde” nem “na educação”. 

“Como vamos assegurar que toda a população tenha acesso, em condições de igualdade, se a obrigação do Estado é ter um sistema público ainda pagar ao negócio para ter uma coisa ao lado igual? Isso é impagável”, afirmou a candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda. 

Deu o exemplo de um Estado que pague “uma rede de escolas públicas porque os privados podem não querer fazer a rede toda” mas depois também paga “às escolas privadas”. 

“Não funciona, é caríssimo e vai deixar as pessoas na mão”, resumiu. 

João Cotrim de Figueiredo elencou os vários problemas do Serviço Nacional de Saúde (SNS), nomeadamente o número crescente de utentes sem médicos de família quando Portugal é, ao mesmo tempo, um dos países que mais gastou em saúde. “Estamos a querer manter o sistema para quê?”, perguntou. 

E insistiu: “O objetivo final é que as pessoas fiquem satisfeitas”. 

“O Bloco de Esquerda e a Catarina Martins anda há anos a querer encostar-nos aos que querem favorecer os privados”, afirmou Cotrim de Figueiredo, argumentando que o projeto de lei de base das Saúde que a IL apresentou iria prejudicar sobretudo os privados. “São os que mais têm beneficiado do descalabro do SNS”, vincou. 

João Cotrim de Figueiredo desafiou a adversária a imaginar “três ADSE’s” no país ao invés de um único ADSE que “é caro para quem adere e só está aberto a funcionários públicos e familiares”. 

Catarina Martins respondeu que o adversário pretende que candidato liberal pretende que o Orçamento do Estado passe a pagar “o que hoje é pago pelos trabalhadores”. Seria “mais despesa no Orçamento do Estado para pagar aos privados da saúde”. 

A candidata do Bloco de Esquerda frisou que, mesmo com vários problemas, o Serviço Nacional de Saúde vai conseguindo cumprir a sua missão. “Não é por acaso que o Presidente da República vai para o SNS”, exemplificou. 

Admitiu no entanto as várias dificuldades. “Tem de ser reinventado sim, tem de dar resposta às pessoas, tem de fazer prevenção. Mas o SNS com todas essas dificuldades faz quase 900 mil cirurgias ao ano”, disse Catarina Martins. 

“Podemos ter um sistema que funcione bem com base no que está na Constituição”, resumiu.
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